“Nós,
as mulheres, o que nos faz amar um homem é aparentá-lo com tudo o
que amamos-o tempo da crise, da puberdade, da gestação, do enigma;
os primeiros rostos, as primeiras carícias, os primeiros medos.”
Agustina
Bessa-Luis
Esqueço
o teu número num copo.
Meio
cheio
meio
vazio
meio
cheio.
Tento...tonta,
vestir a desnudada incompreensão
e
atravesso a fronteira entre o real e o imaginário.
Esqueço
a tua voz que me hipnotiza
rabisco
frases idiotas, engulo ácidos de desespero
ansiando
pela tão desejada anestesia.
Esqueço
os teus beijos
suaves,
carentes, tímidos
ou
devoradores e suculentos.
Embarco
num turbilhão
giro
num carrossel que me nauseia
numa
montanha russa de sombras escuras.
Retorço-me
na minha carapaça,
inseto
inútil e assustado na palma da tua mão!
Esmagas-me
devagar com toda a crueldade,
de
quem não entende, de quem me teme.
Esqueço
a tua escrita correndo-me no sangue,
fluído
vital
parte
de mim.
Poesia
do meio da manhã
quando
a emergência do sol nos desespera
e
os zeros da existência nos confrontam.
Esqueço
tudo, o antes, o durante e o depois.
Rasgo
com olhos vagos o copo...
Meio
cheio
meio
vazio
meio
cheio.
A
vida escoa-se em cada gota de álcool, a sangue frio.
O
ar à minha volta é um garrote
um
animal que vai roendo a presa
e
prefiro não confrontar os cubos de gelo
diluindo-se
na vaga de calor que tu não sentes.
Esqueço
a perceção do inevitável.
Não
consigo evitar o rasgar de entranhas
numa
ilógica e fascinante destruição,
diluída
num conteúdo inútil de tão ferida.
E
dói-me o teu perfume à esquerda
do
meu braço como uma tempestade de verão.
O
copo continua lá
meio
cheio
meio
vazio
meio
cheio.
Deixo
de acreditar que o sol nasceu num novo dia.
O
inseto que sou ainda estremece,
tentando
lutar num instinto básico e primário.
Mas
a dor que tu provocas aperta mais o cerco,
fina,
fria, metálica.
Já
nem reparo no copo.
Meio
cheio
meio
vazio
meio
cheio.
Esqueço-me
de viver...
Margarida Piloto Garcia in- Tributo a Agustina e Saramago. Publicado por Temas Originais-2022